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Um Vilão chamado “Estilo de Vida”



Vivemos tempos de grande mudança social, restringidos às nossas quatro paredes e cercados pelo medo, quando temos de sair deste nosso refúgio…


Hoje em dia, dividimos os nossos dias entre trabalho/teletrabalho, apoio aos filhos e um apoio precário aos amigos e familiares. Tentamos da melhor forma que conseguimos, atingir um equilíbrio aceitável, entre o nosso papel social de trabalhadores, de pais e de indivíduos.


Agora, somos chamados a testar as nossas capacidades sociais como nunca antes, pois todo o nosso mundo está diferente e centrado dentro de casa.


Os nossos filhos vagueiam entre escola, (sala de estudo) e casa. E nós, pais, entre casa, trabalho e as fuga das filas nas compras necessárias e stressantes. Se antes “sobrava” o final do dia, entre cuidados básicos de alimentação, higiene e sono, para podermos dizer, de boca cheia, “eu sou pai”, será que estas mudanças melhoraram ou pioraram essa dinâmica?


Há famílias que facilmente se ajustaram a esta nova fase. Tiraram partido dos recursos que tinham, redefiniram objetivos, observaram com atenção os sinais e traçaram estratégias de ajustamento. Provavelmente, este não foi um caminho muito diferente do que já seguiam.


Mas outras há, em que o equilíbrio já era precário, e que agora vivem no limite de um ataque de nervos, entre as birras dos filhos - que não aceitam as novas rotinas ou regras, e a ansiedade dos adultos - que não estavam habituados a ter de assumir este papel sem outros recursos, ao mesmo tempo que tentam perceber como fazê-lo e como gerir o stress laboral e a privação social para que foram lançados.


Qualquer mudança que ameaça a nossa identidade e a imagem que temos de nós é perturbadora. E, o que é facto, é que esta mudança, não voluntária mas necessária, veio agravar fragilidades já existentes e obrigar a repensar valores e a redefinir prioridades.


Aqui, não há lugar a críticas – não são melhores pessoas aquelas que mais facilmente se ajustaram a esta nova realidade, nem são piores aqueles que parecem não saber lidar com os filhos, o trabalho ou o isolamento. Urge, no entanto, analisar o que pode justificar esta diferença e quais as soluções possíveis.


Para isso, precisamos refletir, compreender e aceitar (para assim poder lidar com ele!) o monstro gigantesco e tenebroso que existe no seio das famílias do século XXI, interferindo na sua dinâmica – um vilão chamado “Estilo de Vida”!


Um estilo de vida agitado, marcado pelas constantes correrias de casa para a escola dos filhos, da escola para o trabalho, do trabalho de volta para a escola, da escola para o supermercado, do supermercado para as atividades, das atividades para casa... E finalmente em casa, num par de horas úteis, dar início à linha de montagem, e entre gritos e novas correrias: preparar o jantar, tratar da higiene das crianças, tratar da casa, deitar as crianças a horas decentes, para depois terminar o trabalho inacabado ou navegar nas redes sociais preenchida de vidas felizes e extra-glamour. E, no dia seguinte, tudo se repete de novo.


Um estilo de vida, marcado por ritmos acelerados e sempre em pressa, pela falta de um tempo que é sempre escasso porque está preenchido por regras impostas que, muitas vezes, nos esquecemos de pôr em causa. Esta falta de tempo que nos obriga a viver em constante stress, numa sensação de que nunca somos suficientes. Revemos mentalmente todas as tarefas que temos para fazer e as que falhamos, criticámo-nos e receamos ser descobertos na nossa incapacidade, o que nos consome toda a energia. Energia esta imprescindível para educar, para refletir e para tirar proveito da vida…


E, por isso, não é de estranhar que ter muitas tarefas em mãos pode levar a um estado de Burnout. Estado esse que passa muitas vezes despercebido devido ao facto do trem estar em marcha e não ter direito a qualquer paragem para introspeção e reconhecimento. E assim, um pequenino ou grande stress, como o que vivemos atualmente, vem por tudo a nu. Vem mostrar as fragilidades, as dificuldades e a falta de identidade que faz com que muitos indivíduos se afundem ainda mais nas garras deste vilão e demostrem dificuldade em se adaptar à adversidade. Capacidade essa que é o bastião da identidade do ser humano e que o faz prevalecer e povoar tantos ambientes.


A palavra Burnout tem tradução do inglês, significando “queimar até ao fim”. O Síndrome de Burnout trata-se, assim, de uma perturbação psicológica caracterizada por um esgotamento físico e mental decorrente de uma vida profissional desgastante e sobrecarregada, que incapacita o indivíduo de desempenhar tarefas quotidianas, tais como trabalhar. Podemos dizer que o Burnout é uma resposta complexa ao stress profissional prolongado ou crónico.

Assim, os tempos que vivemos são verdadeiramente dramáticos do ponto de vista não só da saude física como mental dos indivíduos. Muitos de nós, subjugados ao vilão "Estilo de vida", vêem-se sem chão e sem caminho para andar.


Mas, se pode ser extremamente agonizante, pode ser também libertador por constituir a oportunidade para mudar o estado das coisas e crescer. Pois é efetivamente nos fracassos que se faz a evolução.


Assim, como dizíamos anteriormente, o primeiro passo é reconhecer e conhecer o Vilão "Estilo de vida", para depois o questionar e procurar alternativas. Não temos de correr todos ao mesmo ritmo, não temos de correr todos pelas mesmas tarefas, não temos de ser todos super-máquinas. É preciso haver tempo para parar e refletir. Só assim é possível priorizar e dividir tarefas e redefinir um rumo da vida à medida de cada um.


Os adultos têm tantos afazeres que, por vezes, acabam esmagados por eles. Mas é possível impormos limites a nós mesmos.


Comece por refletir nas tarefas em que gasta energia e todas aquelas que deixa por fazer e que o consomem. Reflita: Quantas horas extra dá, em média, à empresa? Quantos rituais sociais cumpre sem se questionar? Quantos hobbies tem? Quanto tempo precisa de dormir para se sentir bem? Quanto tempo dedica ao ginásio? Quantas vezes por dia atualiza ou espreita os seus perfis nas redes sociais? Está inserido em quantos grupos no WhatsApp? Quais os valores que o regem? O que procura alcançar com tantas tarefas aceites? Os nãos que diz são por sua vontade? Está a gastar energia com as tarefas que considera prioritárias ou está ainda a gasta mais energia por as deixar por fazer? Está de facto a dar atenção às suas prioridades e objetivos de forma consciente ou está-se a deixar manipular por um Estilo de vida que lhe impingiram como o certo e não se atreveu a contradizer?


É importante tomarmos a rédea da nossa vida e tomarmos decisões em consciência. A cada sim que dizemos está uma dezena de nãos associado. Quando fico mais tempo no trabalho passo menos tempo em casa! Quando "descontraio" nas redes sociais aumento a minha sensação de "nunca chego"!


Estão essas decisões de acordo com a pessoa que somos e com o caminho que queremos percorrer? Podemos mudar? Estamos a gastar energia a tentar mudar coisas que não dependem de nós e que, como tal, não podemos mudar, ou estamos a assumir o papel de vítima quando poderíamos ser ativos na mudança?


Todas estas perguntas têm respostas complexas que exigem reflexão e tempo para serem respondidas. Podem até ter respostas diferentes dependendo da fase da vida em que estamos e prioridades que definimos.


Contudo, quando assumimos o papel de pais estas respostas não se limitam à nossa esfera pessoal e passam a ter também impacto nos pequenos seres humanos que assumimos e quisemos a responsabilidade de cuidar. Também eles já estão já a conviver com o vilão e têm desde cedo de desenvolver ferramentas para esse convívio. Muitos jovens já demonstram que não sabem parar e manifestam grandes sinais de ansiedade. Acreditam que têm de ser perfeitos como nas redes sociais, que tudo é um direito ou que qualquer frustração é uma grande injustiça. Estarão preparados para viver no mundo real? Estaremos a prepará-los para isso?


As crianças precisam que tenhamos tempo para elas, precisam que estejamos presentes e conectados. Não basta conhecermos as suas rotinas, mantê-los limpos e asseados. É preciso conhecer a sua forma de ser e estar, a sua forma de comunicar, as necessidades que têm e o que sentem, as formas de lhes dizer não e sim… Só assim conseguimos conhecê-las verdadeiramente, entrar no seu mundo e apoia-los no seu processo de crescimento.


Como consegui-lo? Dê o exemplo sendo um exemplo!


- Crie limites a si próprio, definindo prioridades: escolha bem as tarefas em que despende tempo e assuma a responsabilidade das que deixa para trás, sem culpas. Reserve tempo suficiente para as suas prioridades, nomeadamente, acompanhar as suas crianças.


- Aprenda a dizer não, quer às crianças (evita muitas birras e, assim, conserva energia), quer ao seu patrão (pratique a assertividade de dizer não a horas extras em excesso e às tarefas que não pode fazer; aprenda a delegar) quer ao resto do mundo.


- Assegure a sintonia com o seu parceiro no que diz respeito às regras essenciais, porque as crianças precisam de se sentir seguras. Se discordarem admitam-no e trabalhem no entendimento. A negociação e o ajuste de pontos de vista também é uma óptima lição.


- Reserve tempo para tarefas que promovam o auto-conhecimento e o bem-estar com o intuito de se energizar (5 minutos a ouvir música com os fones colocados, tomar um café à janela, aproveitando o sol, relaxamento,…). Assim, ao tirar tempo para si conseguirá melhor conectar-se, avaliar, educar e evoluir.


- Crie rotinas, definindo o tempo de trabalho, findo o qual se poderá dedicar à sua vida pessoal, nomeadamente às pessoas que ama e a outras atividades.


- Restrinja o tempo nas redes sociais. As novas tecnologias estão diretamente associadas a este Estilo de Vida acelerado.


Acredite que no início esta mudança vai-lhe gerar grande ansiedade pois é mais fácil deixar as coisas rolarem do que tomar a responsabilidade das decisões. Principalmente, se essas forem contra a corrente instalada.


No entanto, depois de tomadas as decisões vai sentir a recompensa de ser dono do seu destino e de aproveitar as pedras do caminho da vida para construir o seu castelo. Não decidimos as pedras que surgem mas decidimos o que fazer com elas!


Porque, na realidade, ninguém aprende a andar sem dar umas boas cabeçadas! Por muito que o mundo nos venda a ideia da perfeição e do sucesso, a verdade é que acontecimentos frustrantes fazem parte da vida e apesar do sofrimento, no fracasso e na crise aprendemos grandes lições, crescemos enquanto seres humanos e a humanidade evolui.


Obrigada por assumir o seu papel no mundo e por contribuir para essa evolução.


Dra. Helena Oliveira, Psicóloga, Núcleo de Psicologia PdG

(Texto revisto e adaptado pela Direção Clínica PdG)


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