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O copo meio cheio do Gui e da sua família


O Gui é um miúdo fantástico... que vive preso num corpo que muitas vezes não corresponde. O Gui tem uma perturbação do desenvolvimento e está a viver o confinamento com a sua família!

Todos reconhecemos a importância das emoções no processo de aprendizagem e o Gui, nas palavras da sua mãe, vem-nos relembrar essa lição fundamental! Obrigada a esta família fantástica por partilhar connosco o copo meio cheio do Gui...


"As dificuldades de desenvolvimento do Gui e o confinamento:

A minha perspectiva enquanto mãe após 24 dias em quarentena

O Gui tem 5 anos e 3 meses, mas podemos tirar-lhe cerca de 1 a 2 anos. Com questões de desenvolvimento latentes no geral, manifestadas a diferentes níveis: controlo dos esfíncteres, psicomotricidade, alimentação, tempo de permanência, relação com o outro, gestão emocional… A par disto é uma criança extremamente ativa, ali num patamar próximo da hiperatividade.

Nesta fase o Gui, à semelhança de todas as crianças, encontra-se em casa, e as consequências do confinamento no Guilherme têm sido notórias.

Utilizo o termo “consequências” porque seria previsível que fosse, de seguida relatar as dificuldades que temos sentido em mantê-lo entre paredes, privado da ida (anteriormente quase diária) ao parque com a irmã. Seria de esperar que estivéssemos por cá todos à beira de um ataque de nervos. Seria de esperar que a falta das rotinas semanais, da ida ao jardim de infância, das atividades diárias, fosse culminar numa total desorganização do Gui, aliada provavelmente a excesso de energia, ativação ao rubro, xixis atrás de xixis nas cuecas e uma mãe à beira de cometer uma loucura. Só que não.

1. Os xixis nas cuecas, podemos começar por aí. Uma luta constante que mantemos há vários anos. Temos passado por várias fases, intercalado entre semanas mais ou menos “secas” e outras (a maioria) cujas cuecas (dezenas e dezenas delas) não chegam para as trocas necessárias. O controlo esfincteriano existe, o problema é outro! E se dúvidas existissem posso falar-vos das noites, pois raramente há acidentes noturnos. E posso falar-vos da quarentena. Durante a quarentena só houve problemas com idas ao pote nos primeiros dias, atualmente o Gui gasta, apenas e só, uma cuequinha por dia (e sem pinguinhas!);

2. Ao nível das relações afetivas, e pese o Gui ser uma criança extremamente carinhosa, a relação com o pai sempre foi difícil. Nunca percebemos porquê. O pai do Gui é, e sempre foi, completamente presente na vida do Gui, ao mesmo nível que a mãe. Mas o Gui bloqueava-lhe o acesso a grandes manifestações afetivas. Agora posso falar-vos da quarentena. Presente 24h/dia, a relação com o pai mudou como da água para o vinho. É vê-lo a enroscar-se que nem um gato no pai, é vê-lo em constantes brincadeiras, é vê-lo a permitir que seja o pai a dar-lhe o banho, a deitá-lo, …

3. Tal como se pode facilmente imaginar, o facto do Gui não obter sucesso em algumas atividades mais exigentes fá-lo rejeitá-las logo à partida o que, por si só, dificulta ainda mais o processo de aprendizagem. Posso falar-vos da quarentena. Com o amor da sua família, a total aceitação, o encorajamento e a motivação, temos conseguido que aceite explorar o mundo que o rodeia. Tem investido mais tempo a tentar e a conseguir, imagine-se, CONSEGUIR fazer tantas coisas que até então resultavam apenas em gritos de frustração e negação.

4. A alimentação sempre foi um filme… um filme de terror que terminava, salvo raras exceções, em gritos e dramas familiares. Um sem-número de alimentos que só de ver no prato faziam-no gritar. Tentar que os comesse resultava em choro e vómitos. Posso falar-vos da quarentena. Azeitonas, cenoura, ovo, massa de bolo, molotoff… É vê-lo, ainda que receoso, a permitir-se explorar, sentir, e concluir que, afinal gosta!

5. Como menino extremamente enérgico que é, permanecer em atividades fisicamente menos exigentes e intelectualmente mais desafiantes é, só por si, um grande desafio! Posso falar-vos da quarentena. Durante os sonos da irmã (cerca de duas a três horas por dia) é vê-lo a brincar sozinho, a falar enquanto brinca, a ver um filme no sofá ou a fazer um puzzle com a ajuda do pai ou da mãe (e que feliz que fica com o sucesso!);

6. O Gui é uma criança alegre e feliz, isso sempre foi percetível. O que por vezes notávamos era um Gui “apagado”, menos comunicativo, mais “fechado” em si mesmo. Posso falar-vos da quarentena. O Gui anda alegre, ativo e comunicativo. Fala mais e melhor. Exprime sentimentos e emoções verbalmente, de uma forma espontânea e eficaz. Autorregula-se recorrendo a uma expressão emocional adequada à situação, manifesta desejos, necessidades e frustrações sem recorrer sistematicamente ao “grito”. A par de tudo isto anda sereno, não desmotivado ou triste, mas mais calmo. Fazia diarreias todas as semanas, sem explicação aparente e sempre entre 5ª e 6ª feira, e posso falar-vos da quarentena? Desapareceram como que por milagre, o que nos leva a pensar muito seriamente em questões de cariz emocional, psicossomáticas.

Numa altura em que aparentemente estamos a passar por algo de tão negativo na sociedade moderna. Doença, isolamento, privação de liberdade, permitam-se a aproveitar o tempo – esse bem mais precioso do Mundo. Permitam-se à família, aos filhos, à casa, e vão perceber que coisas maravilhosas também acontecem quando menos se espera."

Joana Pardalejo

Mãe de dois filhos, Guilherme – já apresentado – e Ritinha de 2 anos.

Psicóloga, a trabalhar em Centro de Acolhimento com população sem-abrigo.



Obrigado à Joana por este inspirador contributo! Obrigada a esta família por nos deixar entrar na sua vida e ver o melhor que o mundo nos pode dar! De novo cá estamos nós, de Gente para Gente a aprender o melhor da vida!



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